Pesquisar este blog

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Ausência


Ausência



Minhas três filhas, quando pequenas, brincavam de esconde-esconde. Duas se escondiam, e a que procurava tinha os olhos tampados ou fechados, até que terminasse uma contagem. Esgotado o prazo, as outras já escondidas, ela procurava, procurava, mas dificilmente as encontrava. Então pedia minha ajuda.

"Pai, o senhor viu as meninas?", me perguntava, ofegante, após explorar sem sucesso o universo que era a casa.

Eu teria sido um pai maravilhoso, se estivesse presente para participar da brincadeira. Mas dificilmente estava, pelo menos não completamente.

"Não, filha, eu não as vi".

Ao perceber o olhar decepcionado de nossa filha, diante da resposta seca, a mãe delas me recriminava.

"Pelo amor de Deus, largue esse livro por um instante e ajude-a a procurar".

Se eu estivesse lá, seguraria a mão pequenina e, juntos, procuraríamos suas irmãs. Ao invés disso, me limitava a tirar os óculos, marcar com um indicador a página e, com o outro, apontar os pezinhos mal camuflados atrás de algum móvel.

Outras vezes, sem entender minha ausência, uma delas me questionava sobre o que eu estava fazendo.

"Estou lendo um livro, filha", respondia impaciente.

"É uma historinha?"

"Sim, filha, é uma história".

"Conta uma história pra mim, pai?"

Eu continuava ausente, sovinando o mundo encantado do "era uma vez..."

"Peça para a mamãe, ela é uma espécie de Jean de La Fontaine".

Diferente de mim, a mãe delas era presente. Diante do pedido, quase choroso, ela reunia as três, formava um círculo e abria um livrinho colorido escolhido por elas. Enquanto lhes mostrava as figuras, contava histórias extraordinárias, cuja maioria não constava nem naquele livro nem em nenhum outro já escrito.

Ao contrário da mãe delas – que não lia Fernando Pessoa –, eu não soube ter o pasmo essencial, que teria uma criança se, ao nascer, reparasse que nascera deveras

Tivesse me dado conta da beleza daqueles momentos, ao lado das quatro, eu teria trocado Bentinho, Capitu, Raskónikov, Macabéa e outros heróis e anti-heróis pelas aventuras da Barbie, Tinker Bell, Peter Pan, Cinderela, Branca de Neve... E então, jogados no “chão” da sala, em frente à TV, comeríamos pipoca e daríamos muitas risadas.

Mas eu estava ausente.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

A dor


Dizem que é na dor, e não na alegria, que crescemos, amadurecemos e evoluímos. Não falo da dor física, resultante de uma martelada no dedo ou uma torção no tornozelo. Refiro-me à dor moral, da alma; à sensação de que não vale a pena existir; à dor causada pelo vazio interior profundo e absoluto, para as quais não há transplantes nem ataduras.

O pressuposto de que é no sofrimento que nos aprimoramos parece ser aceito por todos e, nesse sentido, valeria para todos. No entanto faz mais sentido em relação aos artistas. Ferreira Gullar observou que a relação entre a dor - o sofrimento, a infelicidade - e a arte parece geralmente admitida, “embora não se saiba se essa relação existe e, no caso de que exista, de que tipo é”.

O poeta maranhense notou também que parece certo que os momentos de tranquilidade satisfeita não são estímulos habitualmente geradores da obra de arte. “As pessoas extrovertidas, que se satisfazem com atividades esportivas ou semelhantes - caracterizadas mais pela ação do que pela reflexão - não costumam se dedicar à atividade artística. Porém não só essas; de modo geral, qualquer pessoa que se sinta vivendo um momento de felicidade e plenitude, dificilmente sentirá necessidade de produzir arte, mesmo sendo artista”.

Desta forma, diferentemente da dor física – que nos obriga a tomar um remédio – para a dor da existência quase nunca há remédio, o que “obriga” o artista a pintar um quadro, compor uma canção, escrever um poema. A arte – nesse sentido – é o resultado da reflexão sobre o abismo existencial, isto é, sobre a fragilidade da condição humana.

E não faltam exemplos práticos para demonstrar a estreita relação entre a arte e o sofrimento. Dizem que foi na dor extrema que Jacques Brel compôs “Ne me quitte pas”, uma das mais belas músicas de todos os tempos. Trata-se de uma canção desesperada, que narra o sofrimento de Brel após ser abandonado pelo grande amor de sua vida, a atriz Suzanne Gabriello.

Não fosse a dor existencial, possivelmente Paulo Leminsk não teria produzido o belo poema Dor elegante. “Não me toquem nessa dor/ Ela é tudo o que me sobra/ Sofrer vai ser a minha última obra...”

Não se sabe o que levou Marisa Monte e Nando Reis a compor De mais ninguém, mas há quem veja na letra dessa música muito sofrimento, como se denota nos versos seguintes: “Se ela me deixou, a dor/ é minha só, não é de mais ninguém. Aos outros eu devolvo a dó//, Eu tenho a minha dor...”

Mas nem todo mundo é artista. Nem todos são capazes de traduzir em arte a dor que sentem. No meu caso, ao ver que os olhos castanhos que amei miravam em outra direção, não consegui pintar um quadro, compor uma canção ou escrever um poema. Apenas me entreguei à dor...

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A família é um teatro

Sou leigo em Psicologia e em todas as ciências da psique. Mas desconfio que a maioria dos nossos sofrimentos tem origem na infância. Por isso, acredito que a família tem papel decisivo na vida do sujeito, para o bem ou para o mal. Vista como instituição sagrada, e portanto inquestionável, ela é muitas vezes responsável por traumas irreversíveis, que podem se manifestar em forma de introspecção, agressividade, baixo autoestima, depressão...

Considerado “inimigo da família”, o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa, falecido em 2010, dizia que o problema está no fato de não haver “escola de formação de pais”, tornando a missão de educar os filhos uma das tarefas mais difíceis do mundo. Despreparados, esses pais justificam todo tipo de maus-tratos como forma de “educar” os filhos.

Maus-tratos que não devem ser entendidos apenas como sinônimo de pancada. Ao contrário, para os filhos de criação muito rígida não há nada mais temeroso que o olhar duro, ou “castigo psicológico”, que às vezes causam mais estragos que a tão criticada palmada.

Para a maioria dos pais – dizia Gaiarsa – educar os filhos é repetir tudo o que aprendeu dos próprios pais — ainda que isso implique numa educação retrógrada e conservadora. Não por acaso, as neuroses nascem quase sempre das relações familiares.

O velho psiquiatra não poupava nem mesmo a figura (sagrada) da mãe. Para ele, a crença de pensar que mãe é para sempre constitui um “pecado” imperdoável. “Em todas as espécies, as mães cuidam dos filhos enquanto eles precisam de cuidados. No caso dos homens, não. Ninguém está preparado para esta separação. Ao contrário, é cada vez mais comum encontrar marmanjos vivendo dentro da casa da mãe santa e eterna, com tudo à mão. E, o que é pior, ela adora isso”.

Mas se é assim, por que irmãos, criados em um mesmo ambiente, costumam ser tão diferentes entre si? Ora, eles têm individualidades que os tornam diferentes. E se são diferentes, o amor dos pais por cada um dos filhos também é diferente – o que desfaz o tabu segundo o qual amamos todos os filhos da mesma forma. Esse “amor diferente” faz com que os pais atribuam diferentes papéis aos filhos.

Imaginemos então que a família é um teatro – o lar é o palco, os filhos são os atores e os pais os diretores. A cada um dos filhos-atores é atribuído pelos pais-diretores determinado papel, que de tanto ser repetido acaba sendo assimilado, (con)fundindo ator e personagem. Isso explica porque muitas famílias têm o filho-problema, o estudioso, o trabalhador, o preguiçoso...

Minha família não é diferente. A cada um de nós foi dado um papel por nossos pais, o qual ensaiamos na infância e ainda hoje encenamos no palco-vida. Somos sete irmãos, dos quais a maioria tem dificuldades, por exemplo, em dar a resposta certa, na hora exata. Dito de outra forma, “engolimos sapo”, "levamos desaforo pra casa”.

Foi no consultório da psicóloga S.M. que entendi isso. Ao revisitar minha infância me vi – pequeno e franzino como um sibite baleado – ouvindo, cabisbaixo, pais, tios, avós, e qualquer outro adulto.

- Responder os mais velhos é um pecado mortal – me “ensinavam”.



domingo, 16 de novembro de 2014

Muito doido

Minha infância foi cercada de loucos. Gente “abilolada” das ideias, desmiliolada: andarilhos, beberrões, mendigos, cachaceiros... Felizmente, eram todos pacíficos, diferentes dos que enlouquecem pelo uso de crack e outras porcarias atuais.


Seus nomes – cuja origem e significados nunca apurei – diziam muito de suas personalidades. O Derreta pedia a todo mundo dinheiro para beber cachaça; até aos crentes, que passavam por ele com suas bíblias debaixo do braço. Mas neste caso nunca confessava como seria aplicado o vil metal, e para convencer o freguês ainda citava o Provérbio:

- O que vê com bons olhos será abençoado, porque dá do seu pão ao pobre.


Depois de investir o dinheiro da mendicância, jogado nas calçadas, conversava sozinho e fazia gestos obscenos para as mocinhas que passavam. Sua memória, porém, era prodigiosa: mesmo no auge da bebedeira dava conta da vida de todo mundo da cidade.


Um dia minha tia Dedé – que diziam ser meio assanhada para os padrões da época e do lugar – perguntou-lhe:


- Você não tem vergonha de viver pedindo?


- Uns pedem, outros dão – retrucou o doido.


Outro zureta que permanecerá vivo para sempre em minha memória é o Café Paterrão. Magro, alto, barbudo e com grandes olheiras, ele era obcecado por café. Diziam inclusive que enlouquecera pelo excesso dessa bebida, que literalmente lhe tirava o sono.


Um dia bateu à nossa porta e pediu-nos, além do café, um cigarro. Não estando nossos pais, enrolamos um papel (sem fumo) e lhe demos. Ao acendê-lo, o fogo chamuscou sua barba. Praguejou as gerações passadas e futuras dos Gonçalves.


- Moleques, seus filhos do cão, vão tocar fogo na p. que os pariu. Vou contar tudo pro pai de vocês.


Já o Gringo não amaldiçoava ninguém. Tinha esse apelido porque vivera em Londres, antes de endoidecer. Diziam que ficou amalucado porque sua mulher o traíra, em plena cama do casal, enquanto ele dava aulas de inglês numa cidade vizinha.


Desde então entregou-se à bebida. E quando se embriagava formava-se um círculo de curiosos em torno dele para ouvi-lo falar um idioma fictício, produzido pelo álcool, que acreditávamos ser o autêntico inglês britânico.


Nem um doido, porém, me impressionou tanto como a Bina – uma mulher franzina, sem dentes e descabelada, com um saco nas costas – que permanece viva em meus pesadelos, mais de 30 anos depois.


Diferente dos outros malucos – andarilhos – ela tinha uma casa, que dividia com uma quantidade inconcebível de cachorros, ou melhor, de ferras que avançavam nos incautos que chegassem perto demais de sua dona.


Para alimentá-los, a tresloucada pedia ossos nos açougues; levados para sua casa-canil, eram roídos dia após dia pelos cães, exalando odor de morte e aparência de labirinto de minotauro.


Um dia, curioso e com medo, perguntei ao meu pai sobre os ossos mal cheirosos:


- Pai, que ossos são aqueles, na casa da Bina?


- São de crianças desobedientes, que ela carrega no saco, mata e dá aos cachorros – respondeu.


Ainda hoje sou um filho obediente.


sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Carta a Loiane

Loiane, você começou a existir para mim no exato momento em que desapareceu deste mundo. Eu estava lá, no fatídico dia 13 de junho de 2012, quando você foi atropelada e morta por uma BMW Z4, na avenida LO-03, em Palmas.

Quando ali cheguei, a vida se esvaía do seu corpo, com a certeza de que não vale a pena continuar existindo em um mundo no qual “os carros passam furiosamente pelas ruas e se cruzam velozes pelas praças; parecendo tochas, e correndo como relâmpago”, como previu o profeta Naum.

Um homem (provavelmente seu pai) se desfazia em lágrimas sobre seu corpo, já sem vida; um rapaz (vim a saber que é seu irmão) chutava o veículo – seu algoz – enquanto policiais tentavam contê-lo. O lamento dos dois nunca me saiu da memória...

- Quem é ela – perguntei a uma senhora presente no local do “acidente”. 

- Se chamava Loiane Morena Vieira. Estudante de enfermagem. Tinha 22 anos, e era filha de uma grande amiga minha – respondeu objetivamente a mulher, que em seguida desapareceu entre os curiosos.

Te imaginei formada, toda vestida de branco, atendendo pacientes em um hospital, distribuindo sorrisos, brincando com crianças, vítimas de câncer, com seus tradicionais lenços na cabeça; conversando com idosos, largados nos hospitais por seus familiares, enquanto colhia-lhes sangue para exames.

Mas você desapareceu, foi extinta, abolida, anulada, apagada, eliminada, suprimida – deixou de ser um ser para tornar-se número da estatística policial. Você se tornou uma, das 43 mil pessoas que perdem a vida todos os anos todos os anos em acidentes de trânsito no Brasil, sem falar na dor das famílias que perdem parentes, e nas vítimas que ficam com sequelas.

Você não fará curativos, não ajudará a restaurar a saúde daqueles que sofrem nos nossos hospitais públicos, onde provavelmente trabalharia. Eu soube, de alguma forma, que a “ciência do cuidar” ficou mais pobre sem você, que seu conhecimento científico seria amplo e constantemente aprimorado. 

Contudo, nunca iria sobrepor-se ao cuidado com aqueles que sofrem. Você seria, enfim, diferente de muitos que vestem branco, se dizem enfermeiros, mas são desumanizados após acostumarem-se com o sofrimento e a morte, comuns na maioria dos nossos hospitais.

Após sua partida, Loiane, tentaram te culpar por sua própria morte. Disseram que você estava lendo uma mensagem no celular e não prestou atenção antes de atravessar a avenida, fora da faixa de pedestre.

Mas não fique triste. Culpar a vítima é a estratégia – infame mas eficaz – mais usada pelos “bons” advogados: as mulheres são estupradas por usarem roupas curtas; a escola reprova porque o aluno é burro; o povo é pobre porque não gosta de trabalhar e os pedestres morrem porque não respeitam as leis de trânsito.

Portanto, Loiane, as coisas por aqui não mudaram muito, desde que você partiu.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Da função do social do sebo

Palmas completou 25 anos, tem cerca de 250 mil habitantes, uma única livraria e nem um sebo. Sebo ou alfarrabista é o nome popular que se dá àqueles locais que compram, vendem e trocam livros usados.



Um livro de poesia na gaveta não adianta nada/
 lugar de poesia é na calçada..

Cada Lugar Na Sua Coisa (Sérgio Sampaio)





O sebos cumprem função social importantíssima: a de disseminar o conhecimento de forma mais acessível. Além disso, tornam-se pontos culturais, locais de encontro daqueles que amam a literatura e a arte em geral.

Só conhece a importância de um bom e velho sebo quem já frequentou um. Como são diferentes das tradicionais livrarias! Nos sebos os funcionários são ‘livreiros’ – pessoas aptas a indicarem um bom livro, de acordo com o gosto de cada cliente; que sabe onde está o livro procurado leitor/cliente.

Nos sebos, os livros mais conservados são mais caros. Pessoalmente, prefiro aqueles sublinhados, com anotações, observações e comentários do(s) primeiro(s) proprietário(s). É assim que faço com os meus. Não sou um leitor cortês.

Há algum tempo, um amigo me trouxe de Bogotá uma bela edição de La Hojarasca  (A Revoada), de Gabriel García Márquez. Emocionado, ao ver o título em espanhol, folheei com ansiedade o livro à procura de alguma observação, uma simples frase em alguma página, e nada... Serei sempre grato ao amigo colombiano, mas não me canso de xingar o(s) cabrón(es) que o leram antes de mim.

Voltando aos sebos, eles desempenham papel considerado essencial aos historiadores,  pesquisadores e leitores em geral, como resumiu um ‘sebo virtual’ na página inicial de seu site. “Os significados das palavras memória, preservação, cultura, educação e conhecimento encontram no sebo um grande aliado.”

Ao discutir o assunto com um amigo, ele me disse que em época de E-Book como a nossa, livro (sobretudo usado) é antiquando, além de muitas vezes ser visto como “coisa de pobre”. A essa pessoa eu pensava propor uma sociedade e, juntos, abrirmos um sebo. Acho que ele não está muito interessado...

Os livros vendidos nos sebos são em geral mais baratos. Entretanto, existem obras caríssimas nestes locais. São aquelas com alto valor histórico – livros raros, autografados, primeiras edições, os que levam encadernações especiais... Além disso, os sebos são frequentados por pessoas importantes, como juízes, políticos, advogados, cientistas, estudiosos, colecionadores, amantes da leitura em geral.

Eu disse que pensava em abrir um sebo. Não penso mais. E não é apenas por causa do meu (fútil) amigo. É que me lembrei de um conselho do grande bibliófilo e acadêmico brasileiro José Mindlin, falecido em 2010, que dizia o seguinte: “se você ama os livros, leia-os. Não os venda”. Referia-se à sua malsucedida empreitada de possuir uma livraria, na qual aconselhava os clientes a não comprarem certos livros, que ele, Mindlin, pretendia ter em sua própria biblioteca.

P.S.

Descubro, frustrado, que não tenho também livros nem dinheiro suficientes para começar o negócio. Por razões óbvias, tenho mais E-Books que livros. Acredito que um sebo de ‘livros digitais’ não dá muito certo, entre outros motivos porque todos iriam pedir para “baixá-los” de graça.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Não há ex-fumante e sim fumante em recuperação

O tabagismo é uma doença terrível que se alimenta de um cigarro aceso. Li em algum lugar que do total de fumantes que fazem tratamento para superar o vício, cerca de 30% voltam a fumar. E que a maioria das recaídas (cerca de 60%) ocorre nos três primeiros meses de tratamento – a fase mais crítica.

Isso talvez explique porque é comum conhecermos pessoas que tenham deixado a bebida e até as drogas, mas raramente alguém que tenha abandonado o cigarro. Esta semana uma colega que está escrevendo sobre o assunto me ligou em busca de algum ex-fumante para ilustrar sua reportagem. Por mais que me esforçasse, no momento não me lembrei de ninguém.

Desconfio que resida na aceitação social do cigarro uma das grandes dificuldades em se deixar de fumar. O contrário acontece com o dependente de drogas, que em geral tende a se excluir ou ser excluído do convívio familiar e com os amigos. O mesmo acontece com os alcoólicos, já que a bebida só é tolerada se o sujeito é capaz de “beber socialmente”.

Porém, quando alcoólicos e toxicômanos deixam o vício, parecem mais conscientes que os fumantes: sabem que não podem ter recaídas. Já o fumador acredita ser capaz de fumar apenas quando bebe, enquanto lê, ou antes de dormir, e aí volta a fumar, às vezes até com mais intensidade que antes.

É uma pena que seja assim, pois o tabagismo – segundo o Instituto Chico Anysio – é a maior causa evitável de doença e morte no planeta. Mata mais que acidentes de trânsito, AIDS, homicídios, suicídios e incêndios – juntos. É o único produto legal que mata metade de seus consumidores.

O cigarro está ligado aos cânceres de pulmão, laringe, faringe, traqueia, esôfago, bexiga e mama. Causa envelhecimento precoce, enfisema, bronquite crônica, trombose, infarto do miocárdio, gangrena, osteoporose. Em grávidas, leva a descolamento prematuro de placenta, morte fetal, nascimento de bebês de baixo peso e com predisposição a diversas doenças.

Nada disso, porém, impede que mais de um bilhão de pessoas no mundo ainda fumem. A cada ano, aproximadamente seis milhões morrem por causa do tabagismo. “Se não forem adotadas medidas urgentes, ele poderá matar ao longo do século XXI até um bilhão de pessoas”, alerta texto publicado no site do Instituto Chico Anysio.

Por tudo isso, há sete meses, deixei de fumar. Para evitar possíveis recaídas estou tentando me comportar – em relação ao cigarro – como os alcoólicos anônimos: sou “fumante em recuperação”. Agradeço a Deus por não ter fumado nas últimas 24 horas e peço-Lhe mais um dia sem cigarros. Amém.